Terceirização: Insegurança e retrocesso na lei trabalhista
O projeto de lei que propõe
novas regras para a terceirização, aprovado na semana passada pela
Câmara dos Deputados e
em discussão no Senado, não
trará segurança jurídica às empresas ou ao trabalhador, avalia a Associação
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Para a entidade, a
regulamentação da terceirização, do jeito que está, pode ser vista como um
passo para trás. “Esse projeto poderá resultar no maior retrocesso da história
da legislação trabalhista brasileira desde a origem do trabalhismo e dos
direitos sociais conquistados na década de 30”, avalia o diretor de
Prerrogativas e Assuntos Jurídicos da Anamatra, Guilherme Feliciano.
“A
legislação atual já tem parâmetros estabelecidos quanto aos critérios de
legalidade, construídos pela jurisprudência nos tribunais do trabalho. Para ter
segurança jurídica basta que esses critérios sejam repassados à lei. Os
empresários acham que a terceirização trará segurança jurídica, o que não é
verdade. Ela substituirá os critérios atuais, já instituídos pela
jurisprudência, por critérios que além de mal conhecidos foram motivo de
controvérsia em outros países”, argumentou o magistrado.
Segundo
ele, hoje as discussões de jurisprudência giram em torno do que é classificado
como atividade-fim e atividade-meio. Caso o texto do Projeto de Lei 4.330/2004
seja aprovado como está, haverá dificuldade em se definir o que é
uma “empresa especializada com objeto social único” (termo utilizado no projeto
para definir empresas que poderão prestar serviços terceirizados) e sobre o que
é considerado fraude. “Sem a menor dúvida haverá empresas falseando
especializações. Para a vida dos brasileiros, o que posso dizer é que os riscos
irão muito além dos direitos trabalhistas", alertou.
"Em
pouco mais de uma década, as pessoas se internarão em hospitais de alto nível
achando que lá haverá médicos de primeiro time. No entanto, não terão a menor
segurança de que haverá ali profissional desse nível. As pessoas pegarão aviões
de uma companhia, mas sem a segurança de que o piloto tenha sido contratado ou
selecionado por aquela companhia”, argumentou.
Na
avaliação da gerente executiva de relações do trabalho da Confederação Nacional
da Indústria (CNI), Sylvia Lorena, o projeto busca estipular regras que hoje
não existem no país. “O que se busca é regulamentar a terceirização no
país, de forma a tapar buracos que existem na jurisprudência brasileira, que
não trazem segurança jurídica e não protegem empresas nem trabalhadores”,
disse. “A jurisprudência consolida entendimento de que só pode ser terceirizada
a atividade-meio, mas não há doutrina ou conceito certeiro sobre o que vem a
ser atividade-meio ou fim, e essa ausência resulta em conflitos judiciais
trabalhistas. Por exemplo: uma indústria de suco tem como atividade-fim plantar
e colher o fruto? Há entendimentos de que sim e de que não”, argumentou Lorena.
Segundo a entidade, conceitos
de atividades-fim e meio não se aplicam à economia moderna devido a fatores
como evolução tecnológica; práticas e técnicas produtivas e estratégias de
negócios.
Por
isso, a CNI tem defendido que a decisão sobre o que terceirizar tenha de ser
uma "livre escolha" das empresas. “É o caso dos fabricantes de smartphones. Eles têm sempre de buscar
especializações em áreas como dedesign,
tecnologia, velocidade [do sistema operacional]. Portanto têm de montar
estratégias a partir de uma expertise interna e também buscar a expertise de outras empresas com especialização
em outras áreas. Caso contrário, o ambiente de negócio fica desfavorável”,
acrescentou.
Para a
CNI, o texto do projeto define com clareza o que seria empresa especializada
com objeto social único. “Esse texto nos permitirá identificar se a empresa
realmente terá especialização [no objeto do contrato], qualificação técnica e
capacidade econômica porque arrola requisitos para essa comprovação. Além
disso, dá como garantia para o cumprimento das obrigações trabalhistas da
contratada 4% sobre o contrato de prestação de serviço”, disse a gerente da
CNI.
Para o
representante da Anamatra, a aprovação do projeto de terceirização poderá
frustrar expectativas de melhorias da situação financeira das empresas, a médio
prazo. “As estatísticas mostram que trabalhadores terceirizados recebem um
terço a menos do que o trabalhador normal. Provavelmente as contribuições
previdenciárias também cairão para esse nível um terço menor. Isso seria
desastroso para a economia como um todo. Tenho dúvidas até sobre se a
terceirização aumentaria o lucro das empresas, uma vez que ela certamente
implicaria em uma piora da produção. O resultado disso tudo, pode apostar, será
o desaquecimento da economia. Ou seja, as próprias empresas que defendem a
terceirização poderão ser prejudicadas”, acrescentou.
A representante
da CNI não acredita em efeitos nocivos para a economia devido ao projeto que
regulamenta a terceirização. "Não temos conhecimento detalhado sobre essa
informação de que terceirizadas pagam um terço a menos do que as contratações
diretas. O que acreditamos é que mais vagas no mercado resultam em mais fomento
para a economia, e que, bem feita, a terceirização fomentará o mercado, com
empresas mais competitivas que, ao crescerem, gerarão mais empregos e melhores
condições de trabalho”, rebate a representante da CNI. “Empresas que queiram se
manter no mercado, valorizadas e competitivas, terão de prestar o melhor
serviço e apresentar o melhor produto. Portanto, ela terá de buscar as melhores
empresas para a terceirização. Essa é a estratégia a ser considerada”,
acrescentou.
“Ao
defender a terceirização, a CNI defende o que é melhor para o Brasil, para as
empresas e para o trabalhador. É isso o que, do nosso ponto de vista, o projeto
faz. Não temos interesse em reduzir direitos dos trabalhadores. Quando [em
outros momentos] criticamos o excesso de encargos trabalhistas, nos referimos a
questões tributárias. Não a direitos específicos do trabalhador”, completou.
Para o
juiz trabalhista e diretor da Anamatra, causa “estranheza” discursos e
campanhas de entidades patronais em defesa dos trabalhadores. “O raciocínio
pelo qual a terceirização penetra desde os anos 80 no pensamento empresarial
visa apenas a substituir mão de obra para barateá-la. É estranho ver essas
entidades dizendo o que é bom para o trabalhador de forma tão personalizada,
como se fosse uma antiga bandeira de luta. Seria o mesmo que ver trabalhadores
fazendo campanha em defesa de direitos para os empresários”, argumentou.
Ontem
(30), a presidenta Dilma Rousseff defendeu a necessidade de uma legislação que
regulamente a terceirização. Para ela, entretanto, é preciso aprovar uma lei que não precarize o
trabalho. Também nesta semana, o ministro da Previdência, Carlos
Eduardo Gabas, criticou o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados. Para ele,
a proposta fragiliza as relações de
trabalho. Já o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que a terceirização só será viável se não
provocar redução na arrecadação de tributos.
Fonte:Agencia Brasil/Google imagens
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