Huck: velhas práticas em nova roupagem
Por Luis Felipe Miguel
Luciano Huck publica hoje seu terceiro artigo na página 3 da Folha de S.
Paulo. Quer dizer, o terceiro na condição de semi-candidato à Presidência, pois
sua estreia naquele espaço, mais de dez anos atrás, foi o inesquecível elogio
fúnebre a seu Rolex roubado, que inclui a frase "pensando, cansado ou
peidando, hoje posso dizer que sou parte das estatísticas da violência em São
Paulo".
Como esperado, Huck anuncia outra vez que não vai concorrer nas
eleições de outubro. Mas o faz com discurso de candidato. É mais uma chance,
portanto, de conhecer as ideias da encarnação viva e televisiva da decantada
"renovação política", aquele capaz de acolher as esperanças de gente
tão insigne quanto Eliane Cantanhêde e Fernando Henrique Cardoso.
Uma boa parte do texto é dedicada à construção da dobradinha
"eu sou o máximo/eu sou humilde". Todos afirmam que sou a solução
para o Brasil, diz Huck, mas o país não pode depender de um só indivíduo.
Tirando isso, o texto pode ser resumido a uma de sua frases:
"Todos juntos pela renovação verdadeira". Parece pouco para um artigo
de 793 palavras, mas é significativo. O chamamento à ampla unidade ("todos
juntos") é restringido pelo qualificativo que o segue. O "todos"
só engloba quem é "pela renovação verdadeira" da política. Há uma
linha divisória, um "nós versus eles" implícito, e essa linha não
consiste em campos opostos nas relações de dominação, em projetos de sociedade,
em visões de mundo. É a "ética". "Todos juntos" = todos os
"cidadãos de bem". E o sentido da "renovação verdadeira"
fica claro quando Huck a exemplifica com as iniciativas empresariais de
formação de lideranças alinhadas a seus interesses.
Nem é preciso discutir a falácia desta compreensão da política.
O próprio autor do artigo já mostra que, por trás da exaltação do novo,
permanecem os mesmos velhos truques. O texto ignora olimpicamente todos os
petardos que atingiram a "não-candidatura" do marido de Angélica nas
últimas semanas, a começar pelo jatinho financiado pelo BNDES. Afinal, o
"cidadão de bem", por sê-lo, não precisa se explicar diante da
opinião pública.
Vigora a doutrina Ricupero: o que é bom a gente fatura; o que é
ruim, esconde. O problema inicial do discurso "a honestidade é o único
divisor de águas" é que ele é sempre empunhado desonestamente.
Do Jornal GGN