Automedicação pode ter graves consequências
Quem nunca tomou um remédio sem prescrição médica para curar uma
dor de cabeça ou febre? Quem nunca pediu opinião a um amigo sobre qual
medicamento ingerir em determinadas ocasiões? Quem nunca pesquisou sobre um
sintoma na internet e, logo em seguida, se medicou, sem consultar um
profissional?
O Brasil é recordista em automedicação. A pesquisa O
Comportamento da Dor do Paulista, realizada em 2014 pelo Instituto de Pesquisa
Hibou, identificou que o brasileiro da Região Sudeste é o que mais se
automedica de forma indiscriminada e sem medo das consequências. Apenas 8% dos
entrevistados nunca se automedicaram. Segundo o estudo, as dores que mais
afetam os cidadãos são as de cabeça (42%), a lombar (41%), a cervical (28%) e
nas pernas (26%).
Os medicamentos são o principal agente causador de intoxicação
em seres humanos no Brasil desde 1994, segundo o Conselho Federal de Farmácia.
De acordo com pesquisa do Ministério da Saúde, a automedicação levou para o
hospital mais de 60 mil pessoas de 2010 a 2015.
Outra preocupação
refere-se à combinação inadequada dos produtos. Nesse caso, o uso de um remédio
pode anular ou potencializar o efeito do outro ou, em situações mais graves, a
ingestão incorreta ou irracional dos medicamentos também pode levar à morte. É
o que explica o otorrinolaringologista de Brasília Jessé Lima Júnior.
— O que mais
preocupa é a ingestão dos antibióticos. O uso deles pode aumentar muito a
resistência bacteriana, e a gente sempre ouve muito sobre as superbactérias,
que acabam resultando em muita complicação dentro e fora dos hospitais —
ressaltou.
O médico também
lembra que, embora a internet tenha facilitado o acesso às informações, nem
sempre o que está ali é confiável. Ele cita o caso de pacientes que chegam ao
seu consultório com ideias prévias e, muitas vezes, errôneas sobre os seus
sintomas, inclusive indicando tratamentos.
— Isso se agrava
quando se tratam de problemas de saúde que requerem medicamentos de uso
controlado — alertou.
Carência
Dados da
Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que, em todo o mundo, mais de 50% de
todos os medicamentos receitados são dispensáveis ou vendidos de forma
inadequada. Cerca de 1/3 da população mundial tem carência no acesso a remédios
essenciais e metade dos pacientes tomam medicamentos de forma inadequada.
Jessé Lima
ressalta que medicamentos anteriormente prescritos podem não ser mais efetivos
para uma reincidência da doença, a menos que o profissional já tenha orientado
dessa forma.
— É o médico a única
pessoa com as condições adequadas para avaliar as necessidades de um paciente,
seu histórico de saúde, possíveis interações medicamentosas e possibilidades de
alergias, prescrevendo um tratamento adequado. Qualquer atitude fora disso gera
um risco considerável — disse.
Farmacinha
Como muitos
brasileiros, a copeira Maria de Fátima Silva tem uma farmacinha com
medicamentos em casa. Mas, segundo ela, abastecida apenas com remédios básicos,
como analgésicos e antitérmicos, e fitoterápicos. Ela diz ter consciência dos
perigos de se medicar por conta própria.
— É complicado se
medicar, principalmente com remédios controlados, como muitas pessoas fazem
quando têm dificuldades para dormir.
Guardar tantos
remédios em casa já não é uma atitude razoável, na opinião do procurador da
Justiça Antônio Duarte. Ele ressalta que, além do risco de ingerir medicamentos
fora do prazo de validade, os consumidores, muitas vezes, deixam de armazenar
esses itens adequadamente.
— A exposição ao
sol, vento ou qualquer intempérie pode prejudicar a durabilidade da medicação.
Então, seria muito melhor para a população poder comprar apenas a quantidade
que necessita. Evitaria que os pacientes mantivessem em casa sobras de
medicamentos utilizados em tratamentos anteriores — declarou.
Venda fracionada
A senadora Rose de Freitas (PMDB-ES) apresentou projeto que
torna obrigatória a venda fracionada de medicamentos. O PLS 98/2017,
em análise no Senado, tem o objetivo de evitar desperdícios, aumentar o acesso
da população a medicamentos e contribuir para a economia financeira, o
bem-estar e a segurança dos consumidores.
Entre as
vantagens do fracionamento apontadas pelo Conselho Federal de Farmácia estão
também a maior adesão dos pacientes no cumprimento do tratamento indicado e
menor acúmulo de produtos tóxicos nos ambientes domésticos.
De acordo com a
proposta, as farmácias e drogarias ficarão obrigadas a vender o número de
comprimidos, cápsulas ou o volume dos produtos conforme o receituário indicado.
Rose observa que essa prática já é adotada em países da Europa e nos Estados
Unidos.
— Medicamentos
fracionados são fabricados em embalagens especiais e vendidos na medida exata
que o consumidor precisa. Não basta apenas determinar que as fábricas e
indústrias façam isso. É preciso criar condições para se fazer.
Ex-ministro da
Saúde, Humberto Costa (PT-PE) lembra que, quando esteve à frente da pasta,
assinou resolução em parceria com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) determinando a venda fracionada dos medicamentos. O senador salientou,
no entanto, que há resistência dos laboratórios em aderir à medida,
especialmente pela diminuição dos lucros.
— Os donos de
farmácias fazem lobby contra a iniciativa e apresentam argumentos falsos, como
o de que precisam de ambiente adequado para a manipulação — disse Humberto.
Consciência
Os especialistas
lembram que alguns analgésicos livres de prescrição médica podem ser guardados
em casa, desde que em local arejado e livre do alcance das crianças. Menores de
5 anos representam cerca de 35% dos casos de intoxicação.
Se, por um lado,
a automedicação é um problema cultural, quem se automedica o faz, muitas vezes,
pela dificuldade de acesso a serviços públicos de saúde. É o que observa o
assessor da Diretoria do Conselho Federal de Farmácia, Tarcísio Palhano. A
recomendação é que o cidadão não permaneça sofrendo com dores. Ele aconselha,
no entanto, que as pessoas evitem tornar o uso de analgésicos por conta própria
uma prática de vida.
— Vemos pessoas
madrugando em filas, em postos e em hospitais para conseguir uma ficha de
atendimento para dali a seis meses. Então, como chegar para essa pessoa e
impedir que se automedique? É natural que o faça, desde que esporadicamente e
de modo consciente — frisou.
O estudo do
Instituto Hibou mostra que 74% da população tem em mente que a automedicação é
prejudicial à saúde e que evitar o consumo de medicamentos pode ser benéfico
para a boa saúde no futuro.
Descarte
O Brasil é o
sétimo país que mais consome medicamentos do mundo, mas existe pouca legislação
referente ao correto descarte de remédios vencidos ou sem uso. Jogar
medicamentos indiscriminadamente contamina a água, o solo, os animais e prejudica
a saúde pública. O descarte de remédios deve ser feito em pontos de coleta
específicos, como os presentes em algumas farmácias, para serem encaminhados à destinação
final adequada.
Da Agencia Brasil