O desastre de
Mariana é o retrato do Brasil
por Wilson de Figueiredo Jardim*
O rompimento da barragem de rejeitos de minério de
ferro da Samarco ocorrido em 05/11 pode ser considerado o maior desastre
ambiental já causado pelo homem no Brasil. Um número relativamente pequeno de
vítimas frente à dimensão do evento, seguido por uma comoção mundial frente aos
atentados terroristas em Paris que ocorreram na semana seguinte serviram para
desviar as atenções do problema brasileiro. Similar ao que ocorreu quando do
assassinato do então prefeito Toninho de Campinas, morto um dia antes do ataque
às Torres Gêmeas em Nova Iorque , cuja atenção mundial acabou sombreando a
morte do ex-prefeito.
No entanto, o evento de Mariana serviu para mostrar
a negligência e a inoperância dos órgãos governamentares frente aos eventos
desta natureza. Mesmo para quem não tem formação técnica, um simples passeio
pela região mineradora e siderúrgica de Minas Gerais mostra a degradação
ambiental em todas suas formas: uma forte contaminação atmosférica associada a
um passivo ambiental visível nos solos e águas, onde a fiscalização pelos
órgãos governamentais (DNPM e FEAM) fica muito aquém do esperado. Nestas regiões
a riqueza é para poucos, enquanto que a degradação ambiental é democratizada.
Se as Normas Reguladoras da Mineração estivessem sendo seguidas na sua
totalidade pela Samarco, este evento não deveria ter ocorrido.
Quando o mar de lama desceu como uma avalanche para
atingir o rio Doce, levando tudo no seu caminho, o governo descobriu que não
sabia como agir, e começou o festival de barbaridades que não deve terminar tão
cedo. Ibama, Ministério Público Federal e Estadual, agências ambientais
estaduais, concessionárias de água, aventureiros, cada um falando sua linguagem
própria. Afinal, qual era mesmo o material contaminante?
A primeira ação conjunta que se esperava do governo
era a identificação rápida e precisa do material que jorrou da barragem.
Granulometria, densidade, composição química, potencial de lixiviação de
intoxicantes, dentre outros para só assim poder avaliar os possíveis impactos
para a saúde humana e a biota. Como isso não foi feito, surgiram especulações
sobre a toxicidade, o arsênio se tornou metal (é um metalóide), o material
particulado se tornou solúvel, e assim o mar de lama invadiu também o bom
senso. Isso mostra a inoperância do governo, incapaz de colocar um único
interlocutor para coordenar as ações remediativas. Interessante é que tanto na
UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) como na UFOP (Universidade Federal
de Ouro Preto) há uma série de dissertações e teses que mostram a
caracterização e reuso desta lama. Mas parece que a desinformação é mais
interessante do que a informação.
O ápice do festival de barbaridades técnicas foi o
uso de bóias de contenção de material flotante (principalmente óleos e borras
de derrame de petróleo) para conter o material particulado que compõem o
rejeito, o qual tem um diâmetro médio de 10 µm, e evitar sua dispersão no mar.
Só faltou alguém sugerir o uso de um grande macaco hidráulico para levantar a
foz do rio Doce e fazer o rio correr para a cabeceira. Humor à parte, o
desencontro é tão grande que não seria possível descartar esta eventualidade.
O material mais fino que compõe a lama de rejeitos
irá se dispersar com o tempo ao longo do rio e no mar, causando um impacto
transiente que já mostrou sua força. O fato é que temos agora um passivo
ambiental residente de grandes proporções para tratar, visando restaurar ao
máximo suas condições pré-acidente. A lama, contendo uma parcela apreciável de
sílica, devastou as matas ciliares e ali se depositou, pelo menos em pontos
mais próximos à barragem, e deve impedir a recomposição destas matas se não for
removida ou recoberta com solo fértil. O leito do rio Doce recebeu uma
quantidade de rejeito que deve atuar como se fosse um selo físico, impedindo
trocas na interface água/sedimento, processo esse de vital importância para a
saúde do sistema aquático.
A recuperação desta bacia é processo de longo
prazo, e somente terá sucesso se houver um plano de ação coeso, envolvendo
vários atores que trabalhem num projeto factível, integrado, multidisciplinar,
usando ao máximo todo o conhecimento que já está disponível visando o sucesso
desta remediação. E por favor, esqueçam as técnicas mirabolantes e
pirotécnicas, e concentrem-se na fiscalização efetiva e na prevenção.
*Wilson de Figueiredo Jardim é professor aposentado do Departamento de Química Analítica (DQA), do Instituto de Química da Unicamp
Fonte Jornal GGN
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