A inviabilidade do Brasil e a derrota da sociedade
por Aldo Fornazieri
O
fracasso do projeto do PT disseminou a reforçou a crença de que o Brasil é um
país inviável do ponto de vista da constituição de um elevado padrão de justiça
social e igualdade, de desenvolvimento econômico social e de sustentabilidade
ambiental. Acreditava-se que o PT removeria os mecanismos estruturais da
desigualdade, que reformaria as instituições políticas, que modernizaria e
imprimiria eficiência à administração pública, que adotaria elevados padrões de
moralidade, que faria uma revolução na educação, que constituiria uma Era de
direitos garantidos e que abriria as portas para um novo período histórico de
desenvolvimento tecnológico, econômico, social e ambiental. A projeção ideal
desse projeto não só não avançou a contento, mas viu-se interrompida pelo
fracasso governamental da gestão de Dilma Rousseff e submergiu afogada diante
de graves denúncias de corrupção, jogando o PT na vala comum dos demais
partidos dos quais havia pregado enormes diferenças.
Que
as elites econômicas e políticas tradicionais do Brasil nunca foram capazes e
nunca quiseram construir um projeto de modernização do país sempre se soube e o
PT, na oposição, denunciava com veemência este descompromisso histórico que
mantinha o povo manietado à iniquidade. Essas denúncias e a projeção ideal de
uma possível transformação geraram esperanças no projeto do PT. Que este
projeto sucumbisse de forma desmoralizada é algo a se registrar como um lamento
e um desencanto nas páginas da história.
Nenhum
povo está condenado a um passado eterno de opróbio e ignominia. Disso deram
provas os persas e hebreus antigos. Nenhum povo está condenado à irrelevância:
disso deram provas os romanos antigos e os americanos modernos. Mas para que
essas situações de tragédia sejam superadas são necessários ou líderes
virtuosos ou povos virtuosos ou ambos combinados. Na verdade, a existência de
um desses fatores sempre tende a gerar o outro.
Pois
bem, o Brasil nunca teve e não tem nem um e nem outro desses fatores. O Brasil
padece de um problema genético-histórico, sem a superação do qual estaremos
condenados à trágica normalidade, à irrelevância e à iniquidade: O povo
enquanto povo, no sentido de Maquiavel, de Rousseau e de Hegel, nunca se
autoconstituiu como uma comunidade política de destino. O Brasil não teve um
evento histórico no qual fosse fundado pelo povo. Na Independência, na
Republica e em outros episódios nunca tivemos um momento de “terror fundante”
no qual a cabeça dos malvados fosse cortada e a res
publica e a sua lei
fossem validadas pela espada e pela infusão do temor do castigo. Mal fundados,
permaneceremos um povo desorientado, um país perdido na tentativa de
remediar-se por um cipoal de leis que não vingam porque não são expressão
autêntica das necessidades sociais.
A
estatolatria e a sociedade anêmica
O Brasil sempre andou pelas mãos do Estado opressor, violento,
patrimonialista, paternalista e excludente. Aqui o Estado é tudo, a sociedade é
gelatinosa, inorgânica, desarticulada - para usar termos gramscianos. Aqui
todos acorrem ao Estado: a esquerda, o centro, a direita, os progressistas, os
liberais e os conservadores. Os movimentos sociais, os grupos étnicos, as ONGs,
com algumas exceções, também correm para o Estado: querem uma secretaria, um
ministério, verbas, funcionários, isenções.
Os maiores estatólatras são os empresários das mais diversas
atividades, do agronegócio às micro e pequenas empresas, passando pelos grandes
bancos. Todos querem benefícios, incentivos fiscais e privilégios, em múltiplos
processos que drenam bilhões de reais dos recursos públicos para grupos
privados. O sistema tributário no Brasil foi feito para que os que ganham mais
paguem pouco ou nenhum imposto.
O Simples, o Supersimpes e as MEIs provocam gravíssimas
distorções em favor dos que ganham mais dentro dos respectivos patamares de
isenção, como mostram estudos do Centro de Cidadania Fiscal. Outros estudos
revelam que as isenções fiscais de produtos da cesta básica beneficiam menos os
mais pobres e mais as maiores faixas de renda. Ou seja, mesmo os mecanismos que
são criados para, supostamente, beneficiar os mais pobres terminam beneficiando
os que ganham mais. Boa parte dos jovens da classe C trabalha durante o dia e
estuda em faculdade privada à noite. Enquanto isto, nas universidades públicas
a maioria dos estudantes pertencem a famílias com faixas de renda superiores. O
Brasil é um país sui generis: tira dos
pobres para dar aos ricos.
Na presente conjuntura de consolidação do golpe contra a
democracia, em face da crise fiscal, a educação e a saúde, entre outros
direitos, começam a ser as primeiras vítimas. Mas, como alguns analistas têm
notado, a PEC 241/16, não é uma simples medida de ajuste fiscal. Ela representa
a captura do Estado pelo sistema financeiro. Enquanto a maior parte dos gastos
públicos, particularmente os gastos com os programas sociais, terão uma trava,
os gastos com juros permanecerão livres desse limite. Trata-se de um artifício
técnico para tirar poder do governo político, eleito pelo povo, e dos próprios
representantes na Câmara dos Deputados, que não terão poder de decidir dentro
das regras orçamentárias sobre parte dos recursos por um período de 20 anos se
a Emenda for aprovada. Em outras palavras, limita-se a própria soberania
popular, expressa através do voto, por um mecanismo que captura o Estado e a
democracia em favor de determinados interesses.
A sociedade brasileira, nos ambos os lados da presente
polarização, está saindo derrotada do atual processo político. Aqueles que
queriam a saída de Dilma se mobilizaram julgando que a corrupção é o maior
problema do país. Bastaria remover os corruptos e o Brasil voltaria a andar. De
fato, a corrupção é um enorme problema, mas não é o maior. Parte dos
manifestantes viu sair o governo do PT para acender o governo do PMDB e
aliados, numa espécie de sindicato dos corruptos. As grandes manifestações
contra a corrupção e pelo impeachment estão deixando como saldo um pouco mais
que nada. Não resultou um salto organizativo da sociedade civil. Os políticos
no Congresso decidem o afastamento de Dilma tomando as manifestações apenas
como pretexto. O que vale são seus interesses próprios.
Hoje, boa parcela dos que não queriam Dilma também não quer
Temer. Não lhes resta outro consolo do que o amargor de uma derrota e a
sensação de que foram enganados. Sim, porque o “Vem Pra Rua”, o “Muda Brasil”
etc., não passaram de fraudes: se diziam apartidários enquanto eram financiados
pelos partidos do golpe e por grupos internacionais. As páginas da história
haverão de registrar as grandes manifestações como um passear de multidões a
serviço, não da sociedade, mas dos políticos, muitos deles corruptos, pois,
mais uma vez, a transição está ocorrendo pelo alto, pelo Estado.
Os movimentos sociais e populares que lutaram e lutam em defesa
da democracia e contra o golpe também estão sendo derrotados. Alguns já buscam
um modo de acomodação com o novo estado de coisas do governo Temer. Os partidos
de esquerda estão enredados na sua trágica incompetência. Os que lutam e olham
o futuro a partir da perspectiva da sociedade são poucos e não têm uma
representação e um enraizamento nacional e nem um projeto de refundação do
Brasil. Essas forças novas que surgiram no processo dos últimos meses são
insipientes, embora tenham uma semente de futuro, uma bruxuleante luz de
esperança. As forças conservadoras requereram o prazo de dois anos para construir
um projeto para 2018. As forças democráticas e progressistas estão embaraçadas
na perplexidade da derrota.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política
de São Paulo.
Fonte: Jornal GGN
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