O STF derrotou a República
Por Flávio Braga
No
julgamento do Recurso Extraordinário nº 848.826, em 10.8.2016, o plenário do
Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria de 6×5, que é exclusivamente da
Câmara Municipal a competência para julgar as contas de governo e as contas de
gestão dos prefeitos, cabendo ao tribunal de contas auxiliar o Poder
Legislativo municipal, apenas emitindo um parecer prévio e opinativo, o qual só
deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos vereadores.
Esse
entendimento está em desarmonia com a posição de todos os tribunais de contas
do Brasil, do Tribunal Superior Eleitoral e do Ministério Público Federal, no
sentido de que o artigo 71, incisos I e II, da Constituição Federal submete os
prefeitos a um duplo julgamento.
As
suas contas de governo – que têm um conteúdo limitado a aspectos contábeis,
orçamentários, financeiros e fiscais – devem ser julgadas pela Câmara de
Vereadores, mediante o auxílio do tribunal de contas, que emitirá apenas um
parecer prévio. As suas contas de gestão – que se referem aos atos de ordenação
de despesas – devem receber um julgamento técnico realizado em caráter
definitivo pelo tribunal de contas, mediante a prolação de um acórdão, conforme
impõe o artigo 71, II, da Constituição Federal a todos os administradores de
recursos públicos.
Essa
deletéria decisão do STF retirou a efetividade do dispositivo da Lei da Ficha
Limpa que trata da inelegibilidade decorrente da rejeição de contas públicas
(art. 1º, inciso I, alínea g da Lei das Inelegibilidades). Com efeito, a
rejeição de contas públicas pelos tribunais de contas é a causa de
inelegibilidade arguída com maior frequência nas Ações de Impugnação de
Registro de Candidatura. A parte final do mencionado dispositivo autoriza
expressamente o julgamento das contas de gestão de prefeitos diretamente pelos
tribunais de contas, sem necessidade de apreciação política pelo Parlamento
Municipal.
A
maioria dos estudiosos da matéria entende que o STF descambou para uma
interpretação assistemática e reducionista. Aferrada unicamente à literalidade
do artigo 31 da CF, a maioria do STF assentou que o pronunciamento do tribunal
de contas ostenta caráter meramente opinativo. Ocorre que a leitura de um único
artigo não é suficiente para a compreensão do espírito da Lei Maior, devendo o
intérprete fazer uma ponderação entre os diversos preceitos constitucionais, em
função da unidade sistêmica da ordem jurídica. Assim, o artigo 31 deve ser
interpretado em harmonia com o artigo 71, ambos da CF/88.
O
pior de tudo é que, na maioria das vezes, os “julgamentos políticos” realizados
nas câmaras municipais são ridiculamente cômicos, burlescos, risíveis e
grotescos, em face da espantosa dissonância verificada entre o seu resultado e
o conteúdo do parecer do TCE. O mais bizarro é que a quase totalidade dos
vereadores sequer sabe o que significa um orçamento público e não possuem conhecimento
para decidir sobre o cumprimento de normas de finanças públicas.
A
decisão só STF representa um imenso retrocesso no controle das contas
governamentais e vai na contramão dos esforços de combate à corrupção e de
moralidade na gestão dos recursos públicos.
Pesquisa Blog do Luís Cardoso
Pesquisa Blog do Luís Cardoso
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