O projeto de poder do Facebook
Por Renata Mielli*
Facebook:
2 bilhões de usuários e um projeto para dominar o mundo
Além de violar o nosso direito à
privacidade e usar de forma indevida nossos dados pessoais, agora o Facebook
quer ler nossas emoções, se apropriar da nossa alma
O Facebook atingiu a impressionante
marca de 2 bilhões de usuários em todo o planeta. Aproximadamente 25% da
população mundial está na plataforma fundada por Mark Zuckerberg. Isso deveria
ser motivo de uma séria e profunda reflexão sobre o papel desta plataforma na
sociedade hoje.
Nascido em fevereiro de 2004 para ser
uma rede de relacionamento para os estudantes da Universidade de Harvard, o
Facebook, em apenas 13 anos, transformou-se num dos maiores – senão o maior –
monopólio privado de comunicação do mundo.
Ao longo desta década, a existência
do Facebook teve impacto importante nos hábitos de consumo de notícias, no
padrão de "relacionamento" entre as pessoas e organizações e tem
crescentemente influenciado decisões políticas e eleitorais.
Primavera Árabe, Indignados da
Espanha e Occupy Wall Street, no ano de 2011, foram talvez as primeiras grandes
mobilizações sociais cujo engajamento ocorreu de forma decisiva pela plataforma
de Zuckerberg. No Brasil, podemos citar as mobilizações de junho de 2013.
Sua rede está tão onipresente nos
dias atuais, que muitos usuários acreditam que o Facebook seja a própria
internet. Isso não é nada bom. Ao contrário: é muito perigoso.
Rua sem Saída
O Facebook está sugando a internet
para dentro de sua timeline. Poucas pessoas navegam na internet hoje. Elas
acessam o Facebook e nele ficam lendo manchetes de notícias, postagens
pessoais, institucionais, fotos e vídeos, mas dificilmente clicam para ir ao
conteúdo original.
Isso ocorre por vários motivos. Entre
eles porque as novas tecnologias criaram a ditadura da velocidade: não há tempo
para ler uma notícia, um artigo ou assistir a um vídeo de mais de 30 segundos.
Também porque o modelo de negócio das
empresas de telecomunicações impôs um padrão de acesso baseado nos dispositivos
móveis (celulares) que oferta pacotes limitados de dados com alguns aplicativos
"gratuitos".
É o que chamamos de zero-rating. E o
Facebook, coincidentemente, é um destes aplicativos nos quais você navega e
acredita não estar pagando por isso. Aliás, o Facebook e o Whatsapp (comprado
pelo próprio Facebook em 2014, pela bagatela de US$ 22 bilhões).
Assim, quando você se depara, por
exemplo, com um artigo bacana do Mídia Ninja na sua timeline e clica para ler o
conteúdo, aparece uma mensagem, digamos pouco estimulante, perguntando se você
tem certeza de que quer ler aquele conteúdo, porque a partir daquele momento o
tempo que você ficar fora do Facebook vai ser descontado do seu pacote de
dados.
Digamos que para 89% dos usuários da
internet no Brasil que acessam a rede a partir de dispositivos móveis, – a
maioria com contrato no modelo pré-pago – a mensagem é quase um alerta:
"Não faça isso!"
Além disso, o Facebook foi criando
novas funcionalidades para que você se sinta cada vez mais "em casa"
e não queira sair. Por que sair, não é mesmo? Por exemplo, se você quer
publicar um vídeo, publique diretamente no Facebook. Transmissão ao vivo, use o
live do Facebook. Até porque, se você não fizer isso, sua postagem será,
digamos, sabotada. Experimente comparar o desempenho de postagens de vídeos ou
lives de outros aplicativos e os que usam o próprio Facebook que você vai ver
isso explicitamente.
O Facebook é como uma rua sem saída.
Até os conglomerados tradicionais da mídia hegemônica estão se rendendo à sua
força centrípeta. Acordos entre a rede social e grupos de mídia criaram os
instant articles. Sob o argumento de que nos celulares muitas vezes o
carregamento de páginas externas é muito lento, o Facebook criou um mecanismo
para que as empresas jornalísticas publiquem notícias diretamente na
plataforma. Conveniente, não?
Trabalho não remunerado
Não dá para negar que o CEO do
Facebook e sua equipe são brilhantes. Não pelas funcionalidades do Facebook e
por terem construído algo tão grandioso, mas principalmente porque fizeram um
negócio bilionário cujo conteúdo que lhe dá valor é produzido por seus 2
bilhões de usuários, de forma gratuita.
Isso mesmo. Eu, você, e todos que
postamos NOSSOS conteúdos no Facebook trabalhamos gratuitamente para ele. E
para se ter uma ideia do quanto nosso trabalho é lucrativo, em 2016 o Facebook
teve um receita de US$ 26,8 bilhões, 57% maior que em 2015. Seu lucro líquido
aumentou 117%.
Ah, você pode me questionar agora,
"mas não pagamos nada por isso", o Facebook é "de grátis".
Mais ou menos.
Primeiro porque pagamos com o nosso
trabalho, com o tempo que dedicamos a curtir, reagir e postar coisas no
Facebook. E uma das máximas do capitalismo pode ser expressa pela frase
time is money – tempo é dinheiro.
E, além disso, Zuckerberg criou os
chamados posts patrocinados. Ah!, quem disse que a gente não paga pelo Facebook.
A gente precisa pagar para ser visto, ou para termos a sensação que estamos
sendo vistos, lidos e seguidos.
Aqui, na minha opinião, está um dos
problemas mais graves do Facebook: a falsa ideia de que estamos falando para
muita gente, que finalmente quebramos a barreira da comunicação unidirecional e
que estamos exercendo plenamente nossa liberdade de expressão. Ledo engano.
Você pode ter 1 milhão de amigos,
igual ao "rei" Roberto Carlos, mas esteja certo de que algo em torno
de 1% disso pode de fato prestar atenção em você. Se você pagar, vai atingir um
pouco mais mas, mesmo assim, quem vai te ver será determinado por um algoritmo,
uma fórmula matemática que tem contribuído para uma rápida evolução da
Inteligência Artificial.
Ou seja, quem determina quando e quem
vai ver sua postagem é um código que, no fundo, ninguém sabe como funciona de
verdade e quais são os parâmetros de dados utilizados para definir a sua
programação.
A ideia de que seriam apenas dados
aleatórios baseados no número de interações, interesses e no mapa do seu
comportamento na rede, de que não seriam aplicados outros filtros, de caráter
político, ideológico e econômico não está devidamente garantida.
Até porque o Facebook já informou, há
quinze dias (após os atentados do início de junho em Londres), que seus
algoritmos estão usando Inteligência Artificial para retirar conteúdos
"terroristas" da sua plataforma. "A análise inclui um algoritmo
que está no estágio inicial de aprendizagem sobre como detectar posts
similares. A promessa do Facebook é que o algoritmo vai acumulando informação e
se aperfeiçoando com o tempo. Os algoritmos também estão usando páginas,
grupos, posts ou perfis já catalogados que estão apoiando o terrorismo para
tentar identificar material relacionado que possa estar fazendo o mesmo",
disse nota da empresa.
Se podem identificar conteúdo
"terrorista", podem identificar qualquer conteúdo e isso pode
significar um potencial de censura e manipulação da informação imensos. Quem
define quem são os terroristas? Quem define quem são os inimigos?
O plano: dominar o mundo
E muito ainda está por vir. Novas
funcionalidades para o Facebook são estudadas e desenvolvidas na velocidade da
luz. Todas devidamente patenteadas para garantir a propriedade do Facebook sobre
elas. Aliás, uma visita ao escritório de patentes para conhecer o que o
Facebook tem em seu nome é uma pesquisa interessante e preocupante.
Uma delas é um dispositivo para
capturar o rosto dos seus usuários e, com isso, definir seu "humor".
"Através de uma técnica para detecção de emoção e entrega de conteúdo.
Este é um fluxograma direto para capturar a imagem dos usuários através da
câmera para rastrear suas emoções ao visualizar diferentes tipos de conteúdo. O
Facebook poderia ver seus estados emocionais ao assistir vídeos, anúncios ou
imagens de bebê e isso serviria de conteúdo no futuro, apenas lendo seu estado
inicial de emoção", segundo notícia publicada no site da Forbes.
Além de violar o nosso direito à
privacidade e usar de forma indevida nossos dados pessoais (nós concordamos com
isso de forma não informada quando aceitamos às políticas de privacidade –
alguém lê mesmo isso? Tema para outro artigo futuro), agora o Facebook quer ler
nossas emoções, quer se apropriar da nossa alma.
E qual o objetivo de tudo isso?
Melhorar a nossa "experiência" de navegação? Certamente que não. O
poder é algo que seduz. E Mark Zuckerberg definitivamente parece estar querendo
mais poder.
No início deste ano, às vésperas de
chegar à marca de 2 bilhões de usuários, Zuckerberg fez dois pronunciamentos,
um em março e outro no último dia 22 de junho, dizendo que diante do novo
contexto internacional, dos dilemas da humanidade, o Facebook se viu convocado
a mudar a sua missão. Inicialmente pensada para "conectar as
pessoas", agora ela é ajustada para "aproximar o mundo"
(Bringing the World Closer Together).
O CEO do Facebook parece crer que sua
plataforma pode estar acima das nações e dos poderes constituídos. Na primeira
carta que lançou sobre o tema, Zuckerberg afirma: "Os atuais sistemas da
humanidade são insuficientes. Esperei muito por organizações e iniciativas para
construir ferramentas de saúde e segurança por meio da tecnologia e fiquei
surpreso por quão pouco foi tentado. Há uma oportunidade real de construir uma
infraestrutura de segurança global e direcionei o Facebook para investir mais
recursos para atender a essa necessidade".
Mais recentemente, no evento que
reuniu as "lideranças" das maiores comunidades do Facebook,
Zuckerberg retoma o tema e afirma que é preciso enfrentar um mundo dividido e,
a partir do Facebook, lançar as bases para um "common ground" – numa
tradução literal, um terreno comum, um mundo mais homogêneo e unido.
"Este é o nosso desafio. Temos
de construir um mundo onde todos tenham um senso de propósito e comunidade. É
assim que vamos aproximar o mundo. Temos que construir um mundo em que nos
preocupemos com uma pessoa na Índia, na China, na Nigéria ou no México, tanto
quanto uma pessoa aqui. É assim que conseguiremos as nossas maiores
oportunidades e construir o mundo que queremos para as gerações vindouras. Eu
sei que podemos fazer isso. Podemos reverter esse declínio, reconstruir nossas
comunidades, começar novas e aproximar o mundo inteiro".
A despeito de palavras bonitas, é
preciso compreender que este não pode ser o papel de uma empresa privada.
Inclinações totalitárias não combinam com soberania e democracia.
*Jornalista, coordenadora geral do
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e secretária geral do Centro
de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.
Do Jornal GGN
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