30 de mai. de 2015

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Por que o voto é obrigatório?

Por Edson Vidigal 
Na semana que entra deve ser analisada pelos deputados a temática referente à obrigatoriedade do voto, dando continuidade a esta dita “Reforma Política”, que na prática não tem passado de uma reforma eleitoreira conveniente apenas à manutenção perpétua dos mandatos de nossos atuais governantes.
Trata-se de matéria extremamente relevante, com reflexos para nossa democracia muito maiores do que se percebe à primeira vista.
Atualmente o voto, a teor do art. 14, §1°, de nossa Constituição, é obrigatório para todos os maiores de 18 anos, e facultativo para os maiores de 70 anos, e os que se encontram entre os 16 e os 18 anos.
Há os que defendem a manutenção da obrigatoriedade do voto (normalmente são os próprios governantes e seus assessores). A maioria esmagadora da população é contra, assim como diversos juristas e cientistas políticos.
Antes de tudo, cabe ressaltar que tal obrigatoriedade não é usual nas grandes democracias. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, o voto é facultativo. Também na maioria dos países desenvolvidos.
Os argumentos normalmente utilizados por nossos governantes e por aqueles que se filiam à obrigatoriedade do voto são que somos uma democracia jovem, e que a obrigatoriedade do voto é necessária para estimular a participação política dos cidadãos no processo democrático, e teria efeito didático, ensinando nossa população a viver a democracia. Que a população ainda não teria maturidade suficiente para exercer por si só o seu direito político, e, ainda, que se trataria de um “direito-dever cívico”, imposto a todos porque necessário para a manutenção de nossa sociedade democrática.
Trata-se, penso eu, de argumentos hipócritas e contraditórios. Primeiro: porque os mesmos que defendem o voto como estímulo à participação democrática são contrários à criação e regulamentação de formas diretas de exercício da soberania popular, tais como plebiscitos, referendos, iniciativa popular, conselhos populares, orçamentos participativos etc. São os mesmos que impedem a população de estar presente nas discussões nos parlamentos, e que avocam para si a responsabilidade por tomar as decisões que deveriam ser tomadas a partir não de suas vontades, mas da vontade da população. Então, por que é necessário incentivar de forma obrigatória a participação popular apenas no voto, e coibir todas as demais formas de participação popular nos processos democráticos?
Segundo: porque ao mesmo tempo que consideram nessa hora que o povo não tem maturidade suficiente para exercer suas escolhas, que precisa de um Estado paternalista para obriga-lo a votar, defendem que a Justiça Eleitoral não tem que intervir nas propagandas eleitorais abusivas, que não deve interferir no “jogo democrático” entre os candidatos, justamente alegando que o povo é maduro suficiente para tomar suas escolhas, sem precisar de atitudes paternalistas do Estado.
Terceiro: Os mesmos que afirmam que é necessário o voto obrigatório para manter a população vivendo a democracia, aprendendo constantemente a exercer seu papel de cidadão, defendem uniformizar todas as eleições de uma vez só, para ocorrerem de 5 em 5 anos, deixando toda a população fora desse “exercício constante e didático da democracia” por meia década.
Percebem a hipocrisia? A completa contradição de argumentos e posturas? E isso é só o começo. Muitos outros argumentos hipócritas existem, mas aqui não há espaço para trata-los todos.
Quanto à questão do “direito-dever”, isso não existe. Pura falácia pseudo-jurídica. Vivemos em um Estado democrático de direito que tem como fundamento, dentre outros, a dignidade da pessoa humana (art. 1°, III), que se consubstancia no direito de autodeterminação de cada indivíduo. Ninguém pode ser forçado a nada que não queira, ou que não acredite, em nosso país.
O art. 5°, VIII, determina que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”. Um exemplo disso é o serviço militar obrigatório. Ninguém pode ser obrigado de fato a servir o exército. Caso não queira, pode cumprir prestação cívica alternativa, que não ofenda às suas convicções. Já com o voto obrigatório, por má-fé de nossos constituintes, pensando em interesse próprio, isso não é assim. Contrariando os fundamentos de nossa Constituição, somos obrigados a votar, sem qualquer possibilidade de prestação alternativa. Se não votarmos, seremos sancionados com multas e restrições de inúmeros direitos.
E pergunto: Por que tamanha preocupação de nossos governantes em nos obrigar a votar, a ponto de que precisem contrariar os fundamentos de nossa Constituição e se valer de argumentos hipócritas e falaciosos? Respondo: porque se não fôssemos obrigados a votar, a grande parte da população não votaria, desestimulada pela corrupção, pela falta de candidatos aceitáveis, pela falta de alternativas disponíveis à esse mercado que se tornou nossa democracia. E se isso ocorresse, nossos governantes não teriam quase votos, e não poderiam, sempre que precisam, bater no peito e dizer: “O pUder é meu, foi me dado pelos eleitores!” Ou seja, não teriam legitimidade para fazer o que fazem.
Do jeito que está, os políticos não precisam de nós, mas apenas das empresas que os financiam e a quem eles devem satisfação. Com o voto facultativo, teriam que implorar a nós o voto. Ou seja, dependeriam de nós, e a nós deveriam satisfações.
 #‎juntossomosmuitos‬. É pra avançar!
* Edson José Travassos Vidigal foi candidato a deputado estadual nas últimas eleições e por convicção política, de forma intransigente, não aceitou doações de empresas. É advogado membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB-DF, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Especialista em Direito Eleitoral e Filosofia Política, foi servidor concursado do TSE por 19 anos. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.
Fonte:Jornal pequeno/Blog do Edson Vidigal

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