A semente do
ódio, por Luiz Claudio Tonchis*
Atualmente,
vivemos uma verdadeira enxurrada de propaganda fascista, a propaganda do ódio,
que prega a intolerância e que se afirma estarrecedoramente com muita
facilidade e velocidade, através das tecnologias digitais. É o ódio justificado
dentro de uma certa ideologia irracional. Trata-se de verdadeiro aliciamento,
um sequestro do pensamento, uma reprodução de uma atitude passional de
intolerância e de agressividade relativamente às pessoas que não comungam do
mesmo ideal.
Refiro-me ao
“fascista em potencial”, chamado assim por Theodor Adorno, em um estudo
psicossociológico publicado em 1950, feito com a intenção de abordar o
surgimento, naquela época, de um novo tipo de indivíduos, com ideias
conservadoras, reacionárias e antidemocráticas. Hoje, esse tipo de indivíduo é
cada vez mais comum. Conforme comenta Tiburi (2012), para Adorno, “a
característica fundamental do que se chamou de ‘personalidade autoritária’ era
a combinação contraditória, num mesmo indivíduo, entre uma postura racional e
idiossincrasias irracionais”. E, o que ele chamou de “fascismo potencial”, para
Tiburi, “seria uma característica de indivíduos que teriam se mimetizado às
tendências antidemocráticas da sociedade.”1
O fascismo
emerge do comportamento social, e não é necessariamente político. Dessa forma,
podemos entender o comportamento fascista: o racismo, xenofobia, dificuldade em
aceitar as diferenças, desejo de exclusão ou descarte daquilo que não lhe
agrada, intolerância e o fundamentalismo religioso, preconceito, etc. Como por
exemplo, as manifestações de ódio aos nordestinos que votaram na presidente
Dilma, a não aceitação explícita e radical daqueles que a apoiam, ou sejam,
daqueles que não comungam com os seus mesmos ideais políticos e partidários.
Para esses, a pessoa que pensa diferente, é “cega” e “burra”.
Existem
fatos que apresentam especificidades muitos especiais: consistem em
determinadas tendências nos modos de agir, pensar e sentir, exteriores aos
indivíduos e dotados de um poder de coerção muito forte, que são impostas,
porém facilmente assimiladas pelos indivíduos – as ideologias pré-fabricadas
que são facilmente aceitas pelo senso comum. Antes o rol de informações que
alimentavam esse tipo de pensamento era emitido por vizinhos, amigos, jornais,
televisão, religião, etc. Atualmente, além da mídia, a internet passou a ser o
principal meio de veiculação e reprodução desse tipo de pensamento e, também de
sentimentos, cuja sua principal marca é uma construção coletiva da ausência de
reflexão e a aceitação pacífica e inocente das informações.
Tanto o
senso comum como o senso crítico fazem parte das formas de encarar, se
posicionar e conhecer a realidade, cada qual com a sua maneira e implicação. O
senso comum possui a marca do ordinário, normal, coletivo, caracterizado pelo
pensamento superficial, irrefletido e inocente. Ele não possui rigor quanto à
coerência e lógica de seus conceitos, o que faz com que sejam mais facilmente
massificados, manipulados, alienados e o indivíduo não é capaz de entender as
relações de força que definem uma determinada situação.
O senso
crítico, ao contrário do senso comum, possui como principais características à
reflexão, a análise, a crítica consciente e coerente. Ele pauta-se pelo uso
consciente da razão para administrar as ideias e os próprios sentimentos.
Dogmas, opiniões e crenças são minuciosamente investigadas e analisadas, o que
proporciona um juízo coerente, autônomo e flexível. No uso do senso crítico o
pensamento é complexo e dialético, capaz de distinguir, identificar as ideologias
conspiradoras e manipuladoras, tão comuns nas redes sociais, blogs, mensagens
do WhatsApp que são espalhadas, muito rapidamente, através dos smartphones.
Os
meios de comunicação têm um papel fundamental nesse processo: a propaganda
disfarçada de jornalismo tem uma característica peculiar na reprodução do ódio
e negação da alteridade, ou seja, a não aceitação do outro como ele é,
diferente. Ainda consegue, com muita facilidade, mascarar a sua
intencionalidade fascista aos olhos do senso comum e do analfabeto político,
levando o indivíduo a achar que é politizado porque comunga da mesma ideia. A
aceitação pacífica, irrefletida e irracional o faz pensar que é um cidadão
consciente e passa a reproduzir a violência, sem pensar com cuidado crítico nas
causas e consequências dos seus atos.
O
analfabeto político é aquele que não entende de história política, que não sabe
interpretar os acontecimentos históricos e contextualizá-los. Ele não sabe as
relações de força de uma determinada situação, não tem noção da profundidade
dos problemas políticos do país. Seu conhecimento limita-se à construção
coletiva do senso comum, construção essa que atualmente é potencializada
através da internet. Não conhece – e talvez nem saiba o que é a nossa
Constituição. É inocente, pensa que a corrupção foi inventada pelo Partidos dos
Trabalhadores, ou qualquer outro partido político, não conhece a promíscua
história brasileira marcada pelas relações fisiológicas entre o público e o
privado.
Não há
democracia sem respeito à singularidade e aos direitos fundamentais assegurados
pelo Estado, que cada instituição e cada cidadão deve ao outro com quem
compartilha a vida, seja ela pública ou privada. A essência da democracia é a
aceitação da pluralidade, o que implica a coexistência pacífica das diferenças,
sejam elas de ideias partidários, de gênero, de interesses etc.
Essa
disseminação do ódio é a anti-democracia inconsciente, uma desconstrução da
democracia, ainda infantilizada e em processo, pelas características de nossa
história. Cada um tem o direito de pensar como quiser, a liberdade é uma outra
prerrogativa da própria democracia, por exemplo, é um direito ser a favor ou
contra o PT, ou se posicionar a favor ou contra o PSDB, mas, acima de tudo, é
um dever ético respeitar a ideologia do outro.
*Luiz
Claudio Tonchis é Educador e Gestor Escolar, trabalha na
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, é bacharel e licenciado em
Filosofia, com pós-graduação em Ética pela UNESP e em Gestão Escolar pela
UNIARARAS. Atualmente é acadêmico em Pós-Graduação (MBA) pela Universidade
Federal Fluminense. Escreve regularmente para blogs, jornais e revistas,
contribuindo com artigos em que discute questões ligadas à Política, Educação e
Filosofia.
Fonte:Jornal GGN
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