Por Edson
Vidigal Travassos*
Para
quem o Judiciário tem trabalhado?
Esta semana
foi divulgado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) um levantamento
inédito sobre os principais responsáveis pelo enorme congestionamento de nosso
Judiciário. E o resultado apenas ratifica o que todos há muito já sabem, e que
é o óbvio. Os principais “clientes” do Judiciário são o Poder Público (Federal,
Estadual e Municipal), o setor financeiro e as empresas prestadoras de serviços
públicos.
O
levantamento foi realizado com dados de 2010 a 2013, e a pesquisa mapeou os 100
maiores litigantes por setor, nos polos ativo e passivo, no primeiro grau, no
segundo e nas turmas recursais dos juizados especiais.
Tais
“clientes” acima descritos são responsáveis por mais da metade de todos os
litígios do país, e isso é uma situação bastante anômala e preocupante. Segundo
João Ricardo Costa, presidente da AMB, isso “é uma realidade grave, que revela
uma propensão ao litígio, especialmente pelos principais setores identificados,
cujas causas devem ser examinadas em profundidade”, até porque “o cenário
brasileiro destoa da realidade identificada em outros países e é um indicador
de anormalidade”.
De fato, os principais
“clientes” que monopolizam o Judiciário Brasileiro – impedindo que o mesmo
preste aos cidadãos o serviço jurisdicional de forma adequada – têm todos uma
ligação muito grande entre si. Todos desrespeitam nossa Constituição, nossas
leis, e se valem do Poder Judiciário como mecanismo de postergar o cumprimento
de suas obrigações, apostando justamente no congestionamento da jurisdição, em
sua decorrente morosidade, nos altos custos com advogados e outras despesas
necessárias nos litígios, dessa forma ganhando no custo-benefício com a escolha
de burlar a lei e cometer abusos.
E este
ponto, completamente esquecido por muitos de nossos juízes e legisladores, é
muito importante. O Custo-benefício de se burlar a lei deve ser sempre tal que
obrigue os agentes sociais a seguir a lei sem hesitar. E isto não ocorre
atualmente.
Na ponta do
lápis (é assim que a racionalidade capitalista rasteira funciona,
infelizmente), sai muito mais barato à Administração Pública, às entidades do
sistema financeiro, bem como às empresas prestadoras de serviço público
(principalmente as de telefonia e comunicações) burlar a lei, cometer abusos,
não cumprir com suas obrigações e desrespeitar direitos, confiando no
congestionamento do Judiciário e, principalmente na hipossuficiência dos
cidadãos que tiveram seus direitos violados.
Talvez se
nosso Judiciário adotasse uma postura mais firme, condenando de maneira
exemplar os abusos de tais entes, elevando em sobremaneira o custo de se burlar
a lei, tal congestionamento fosse evitado, e a prestação jurisdicional do
Estado atenderia aos demais cidadãos em suas necessidades, como deveria ser.
Mas infelizmente isso ainda não ocorre. Muitos são os mecanismos e os
“pseudo-princípios” inventados para garantir a impunidade dos mais fortes, e o
monopólio do Judiciário como ferramenta de manutenção do status quo.
As decisões
dos grandes são tomadas mediante a racionalidade econômica. E a partir de tal
racionalidade é que os magistrados deveriam julga-los, impondo a verdadeira
pena que de alguma forma possa impedir a prática da ilegalidade: o custo
financeiro. Se as decisões fossem tomadas de forma exemplar, com pulso firme,
impondo custos altos efetivos às práticas abusivas, tudo isso poderia ser
evitado.
Apenas os
magistrados podem acabar com a morosidade do Judiciário. Não é a aniquilação
dos recursos, a imposição de acordos autoritários às partes, a supressão de
instâncias, a afronta ao devido processo legal e ao duplo grau de jurisdição
que vão acabar com a morosidade do Judiciário.
Não é o
estabelecimento de metas irreais desumanas e absurdas a serem cumpridas pelos
magistrados que resolverá tal problema. Processos não são pilhas de papéis sem
vida – números para uma estatística. Processos são vidas de pessoas de carne e
osso que estão sofrendo abusos e desrespeitos a seus direitos, e com muito
respeito, tempo e dedicação devem ser analisados.
Se o
Judiciário tem problemas com excesso de demanda, e sabe-se quem são os
principais demandantes, em infinitas repetições, apenas examinando com rigor
esta situação e se chegando a um posicionamento de se impor, de uma vez por
todas, contra tais práticas abusivas
é que o problema será resolvido.
* É Advogado e Professor Universitário
de Direito Eleitoral, Direito Constitucional, Direito Administrativo,
Introdução ao Estudo do Direito, Ética Geral e Profissional, Antropologia
Jurídica, Filosofia, Filosofia do Direito, História do Direito e Direitos Humanos.
Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão, Bacharel em
Direito pelo Centro Universitário de Brasília, Pós-graduado em Direito
Eleitoral com habilitação para o ensino superior pela Universidade Federal do
Maranhão, Pós-graduado em Filosofia Política pela mesma universidade,
Pós-graduado em Direito Eleitoral pela Escola Superior de Advocacia
ESA-OAB-DF/UniCeub, Mestrando em Direito e Políticas Públicas pelo Centro
Universitário de Brasília e Mestrando em Estudos Clássicos - Hermenêutica e
poética, pela Universidade de Coimbra (Portugal).
Fonte:Blog do Edson Vidigal
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